29 abril, 2008

~~~ mar de dentro ~~~

o centro antigo exala suas ruínas pelos becos. cheiro de nostalgia. cheio de memória. caminho na rua onde nasci. edifício de pilastras altas e pátio grande, onde brincava latas quando criança. porteiros mudaram, vizinhos morreram, sambistas do estácio já não frequentam o mesmo boteco. igreja triste e fechada, ao lado da escola de persianas de asfalto. outro mercado onde era a antiga cb. passos umbilicais numa segunda-feira carioca.

depois o corredor de palmeiras na rua onde aprendi a correr. portas vermelhas e banho de banheira com trinity. o cheiro do pão subindo pela tarde. o laguinho do prédio ao lado. medo e encanto diante da vitrini das bonecas de louça. passo pela praça da gangorra e dos primeiros amigos. o carro de bombeiros estacionado paraliza o tempo. o centenário lamas ressurge o cheiro da quentinha de peixe com molho de camarão. eu não gostava do suco de caju da santa úrsola. ainda não gosto de suco de caju. passos cariocas numa segunda-feira umbilical.

27 abril, 2008

no rastro das palavras vagabundas
as que não se casam nem se prostituem
que não ensaiam surgimentos
que não reclamam encaixes

impronunciáveis devaneios
solitárias peculiaridades do ato
que escondem os fracos
que esfregam as veias

atropelam cordilheiras quando passam
se não passam, prateleiras
vagabundas palavras inteiras
me comem a metade da tarde

e todo o resto da vida

23 abril, 2008

preVISÃO do tempo

o efeito la mina deixa o tempo um tanto instável.

uma forte massa de ar quente cobre o sudeste. o calor intenso pode provocar suores e excitação. previna-se andando semi-nu.

rajadas de vento no final da tarde. ainda não há motivos para alardes mas, caso haja uma colisão de corpos, a possibilidade de um tufão é aguardada.

a temperatura pode cair no decorrer do dia. utilize-se de cobertores de orelha para agasalhar seus segredos.

pancadas de chuva durante a madrugada. recomenda-se abrir as janelas e encharcar-se do cheiro de terra molhada.

gramática

preciso confessar outra coisa. o meu termômetro é a escrita. poucos homens me fizeram escrever. menos ainda me fizeram gozar. nossa, eu disse isso. de exigência ou incompetência, não sei se o que houve foi abundância ou abstinência... o fato é que me sinto em casa com você, mesmo não sabendo o endereço. caí na sua história com status de musa nua do imaginário. e deslizo palavras cruas por você. subo dos pés à cabeça decorando frases num poema cutâneo. transpiro verbos imperativos se te quero de pé. substantivo cafunés quando preciso de colo. e viro páginas finas sobre sobre seu sono. flutuo desgovernada no movimento de encaixar rimas. abro as pernas para sua gramática. gozo adjetivos de tanto prazer.

21 abril, 2008

CALIGRAFia

a vontade era escrever uma carta física. escrito que contivesse caligrafia e cheiro. onde pudesse rabiscar os erros. onde tivesse linha pra deslizar. que por descuido me levasse fios de cabelo. mas eu não posso. não tenho sequer o endereço. eu de joelhos diante desse desejo. os meus apelos subindo pelas paredes. distraí por um triz e nunca mais voltei. de quatro no quarto do paupérrimo hotel. pensando lingeries pra passar a noite só. molhando pensamentos no copo de gelo. vivo ardentemente a ausência de pudores. penetro na fantasia de um homem só. não costumo administrar impulsos e por isso o improviso meu acaso. certas palavras somem na boca. a mesma boca que desliza da nuca às costas magras. mas aqui eu queria dizer uma coisa. ao mesmo tempo que corrói, abre. se abusa, sobra. se acaba, dói. uma carta que selasse o pacto. abuso de palavras na ausência da pele. confisco de ladaínhas na inexistência de sussurros. um ai reticente vindo do mais profundo orgasmo literário. como flores de papel no céu do quarto. mas nem isso eu posso. não sei onde mora o meu desassossego.

TALVEZ aquarela TALVEZ

não sei o paradeiro do meu amigo imaginário. a inocência ficou naquela esquina da paissandu. ainda me restam bobagens. ainda me encantam os palhaços. ainda me fascinam as cirandas. sinto-me pequena dentro deste desenho. a visão limitada da janela reprime o que poderia ser soltura. falta cor nessa alegria. quisera eu ser uma tinta qualquer na ponta dos dedos do artista e lambusar o branco de euforia. ser adulto é muito grudado de sentidos. sinto muito.

15 abril, 2008

AMARELO

O MEU AMOR MORDIDO
O MEU AMOR MURCHO
O MEU AMOR CREPÚSCULO
SEM ÁGUA
SEM RAIZ
QUASE SEM PULSO
DE CAMA
COM FEBRE
SEM ÂNIMO
DESCALÇO
CALADO MUDO
MUDADO
O MEU AMOR ATRÁS
O MEU AMOR RETRÓS
O MEU AMOR TECIDO
SEM SOL
A SÓS
QUASE SEM SAL
DERRAMA
COM LÁGRIMAS
SEU MÍNIMO
AVULSO
SECO OCO
OPRIMIDO
O MEU AMOR SOSSEGO
O MEU AMOR SUMIDO
O MEU AMOR PERFEITO AMARELADO
E CÍNICO

07 abril, 2008

COMÉRCIO INTERIOR

POR FAVOR, NÃO PERTURBE.
POESIAS EM REUNIÃO EXECUTIVA
.

Quarta-feira de cinzas

A chuva que caía fina nos trilhos do bonde lavava as ladeiras e os corpos. Olhares prazerosamente cansados faziam belas as moças que ali passavam. Centenas de chicletes pisoteados pintavam o chão de bolinhas. Mochilas se acostumavam nas costas no caminho de volta pra casa. Não se falava alto, eram apenas sussurros o que se ouvia naquela tarde cinzenta.
Findava-se outro carnaval. As fantasias molhadas agora já não tinham a leveza dos sonhos. Cada qual continuando sua vidinha e um ou outro ainda assobiava. O samba dava lugar ao silêncio, como se pedíssemos todos um intervalo entre o riso e o choro. Já não era mais festa, já não podíamos tudo. E mesmo assim um coração inquieto permanecia no compasso acelerado da folia.
Era um coração sofrido, desgastado, cascudo. Daqueles que não sentem mais arrepios, que não se desmancham por qualquer bobagem. Um coração distante e frio, numa mulher calejada e sôfrega. Descompromissadamente, este coração de repente parou. Disse que não ia mais ficar ali, batendo em vão, ecoando rompimentos, desaprovando felicidades. Disse isso e parou. Parou no meio da batucada da noite de carnaval. Ficou tão quieto que ninguém podia percebê-lo no meio daquela euforia. E foi parado que ele entendeu a melodia.
Na quietude intolerante do verbo amar, olhou ao redor e, como se fosse mágica, percebeu um abraço e um reencontro. Mesmo sem querer, já não era estático. Pulsava generoso naquele peito ressabiado. Tudo se esquentava novamente. Era como se o sol saísse à noite. Era de beleza singular como o romper das ondas. Purpurinava alegrias, exorcizava contradições, remexia passado.
E a moça daquele coração já não era pálida. De novo, sentia. Foi então que a vi, naquela manhã de cinzas, a chuva molhando seu vestido e ela sorrindo. De pernas bambas, lembrava da poesia de ontem e sentia arrepios. Quase caía de torpor. Era um dia de sins, era um dia de mais.

<" ">

TODA RÃ PULA DA PAISAGEM


E O QUADRO BORRA
E OS OLHOS PISCAM


MOSQUITO MORRE

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NEM MORNO NEM MANSO
MEU CORAÇÃO
ESTÁ FECHADO PRA BALANÇO


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06 abril, 2008

BLECAUTE

ONDE SE ESCONDERAM
OS VAGALUMES DA MINHA INFÂNCIA ?

05 abril, 2008

rapunzel

rapunzel
jogue as tranças, rapunzel
jogue as lanças
troque as pernas, rapunzel
erre a dança
aproveite, rapunzel
o desfile
que depois, rapunzel
o deslize
traz de volta
o avental e o boréu

3 TIJOLOS

UM
DEPOIS O OUTRO
E O OUTRO EM CIMA

É ASSIM
QUE PALAVRA
VIRA RIMA

))) O (((

A
LUA
É CARECA PORQUE NÃO TEM OS RAIOS D
O
SOL

a menina que não sabia dormir

Era uma vez uma menina que não dormia. Toda noite ela botava camisola, escovava os dentes, acendia o abajur antes de desligar a luz do teto, deitava na cama, se cobria com o edredom, fechava os olhos e nada. Pensava em tudo que tinha feito o dia todo e refazia o dia. Uma. Duas. Três vezes ela refazia o dia. Até inventar um jeito das coisas se encaixarem melhor. O sono vinha, desvinha. Ela recuava as pálpebras até desencaixá-las e abria o escuro dos olhos para que eles se acostumassem à madrugada.

O quarto era outro naquela hora. A estante de bonecas e brinquedos e todas as bonecas e brinquedos da estante aproveitavam pra dançar com as sombras. O chão ficava mais alto, a cama virava uma ilha e a menina navegava fantasias enquanto o sono não vinha. Naquela hora tudo existia e ela, sozinha, era maior que o mundo. A menina era outra menina quando a madrugada vinha.

Medo do escuro ela tinha. Achava que todo mundo tinha medo do escuro. No escuro o que se vê pode não ser e o que não se vê pode existir. Mas não era um medo daqueles que deixa a gente tonto e estátua. Era medo desvendável, medo que dava pra disfarçar, medo instigante. Ela gostava de sentir que as coisas poderiam ser diferentes de vez em quando. O escuro mudava as coisas de lugar. E ela tinha que conhecer tudo de novo.

Não contava esse segredo pra ninguém. O que acontecia de madrugada somente a ela pertencia. Era secreto e valioso demais para ser compartilhado. Guardava suas histórias debaixo do travesseiro para que ninguém pudesse achá-las quando fosse dia. E toda vez que anoitecia mais histórias entravam no esconderijo das fronhas.

Um dia de calor bem quente, a menina deitou com a janela aberta. Foi por aí que o sono fugiu essa noite. Foi por ela também que a coruja, outra insone por natureza, percebeu a menina de olhos abertos que escondia segredos no travesseiro. Resolveu pousar num galho da mangueira de onde pudesse enxergar melhor os quase sonhos da menina. E fez-se uma sombra sob a cama, uma sombra nova que tirava tudo do lugar. A menina, curiosa, dessa vez não olhou para a sombra. Quis saber de onde vinha. Levantou-se e foi até a janela de onde vinha aquele turvo desenho.

A coruja estava que olhava e não olhava pra menina. Como se tivesse tímida, virava a cabeça ao contrário, escondendo seu interesse pela luz fraca que vinha daquela janela. Até que uma hora não deu e as duas encararam-se pela primeira vez. De um lado, a menina encantava-se com penas e unhas. Do outro, a coruja parecia acuada pelos bichos de pelúcia. Tinha gato, cachorro, pato, jacaré. Tinha urso, sapo, baleia, tatu. E não tinha coruja nenhuma naquele quarto.

Vai saber. Por via das dúvidas, ela tratou de correr. Vai que a menina cisma em me fazer bibelô. Me prende naquela estante e eu nunca mais vôo?

Naquela madrugada a menina dobrou com cuidado cada dúvida imaginada e guardou um segredo de se pensar. Como pode a coruja voar? Com que asas ela arrebenta o céu e some no escuro do longe? Com que olhos ela desesbarra das árvores e ressurge no alto? Com que medos a coruja brinca?

Medo de menina, medo de menina. Longe dali, a coruja assustada repetia, cansada, o bater de suas asas no meio da madrugada.

o outro

gosto de te conversar. passaria horas na função. te conversar significa encontrar o que há nas entrelinhas do dito, o que existe de igual no pulsar. descobrir o olhar que é na mesma direção. se há amor sem sexo e sexo sem amor não interessa. discutir é o que vale. a construção de um mundo livre onde pensar é permitido e solto, sem agruras e censuras.
a diferença acontece do igual. somos todos uns. uns são sérios, outros tolos; uns são negros, outros loiros. um tanto de coisa existe e um tanto de coisa é igual. conversa que não acaba mais. faz até boi dormir. e que recomeça toda vez que te percebo. porque só assim se conhece. te começo, me infinito.

sem SoL

HOJE ACORDEI
SEM VOCÊ
SoL
SÓ CHOVE
SÓ CHOVE
E EU SÓ
SEM VOCÊ
SoL

bala

como descascar

bala

no silêncio

do cinema



você me

barulha toda

quando me

desembrulha

AMORteceDORES

A MORTE
TRAI
A NOSSA SORTE
VAI ATRÁS
DA GENTE
E DE
REPENTE
A SITUAÇÃO
INVERTE

A MORTE
A M O R T E C E D O R E S