Era uma vez uma menina que não dormia. Toda noite ela botava camisola, escovava os dentes, acendia o abajur antes de desligar a luz do teto, deitava na cama, se cobria com o edredom, fechava os olhos e nada. Pensava em tudo que tinha feito o dia todo e refazia o dia. Uma. Duas. Três vezes ela refazia o dia. Até inventar um jeito das coisas se encaixarem melhor. O sono vinha, desvinha. Ela recuava as pálpebras até desencaixá-las e abria o escuro dos olhos para que eles se acostumassem à madrugada.
O quarto era outro naquela hora. A estante de bonecas e brinquedos e todas as bonecas e brinquedos da estante aproveitavam pra dançar com as sombras. O chão ficava mais alto, a cama virava uma ilha e a menina navegava fantasias enquanto o sono não vinha. Naquela hora tudo existia e ela, sozinha, era maior que o mundo. A menina era outra menina quando a madrugada vinha.
Medo do escuro ela tinha. Achava que todo mundo tinha medo do escuro. No escuro o que se vê pode não ser e o que não se vê pode existir. Mas não era um medo daqueles que deixa a gente tonto e estátua. Era medo desvendável, medo que dava pra disfarçar, medo instigante. Ela gostava de sentir que as coisas poderiam ser diferentes de vez em quando. O escuro mudava as coisas de lugar. E ela tinha que conhecer tudo de novo.
Não contava esse segredo pra ninguém. O que acontecia de madrugada somente a ela pertencia. Era secreto e valioso demais para ser compartilhado. Guardava suas histórias debaixo do travesseiro para que ninguém pudesse achá-las quando fosse dia. E toda vez que anoitecia mais histórias entravam no esconderijo das fronhas.
Um dia de calor bem quente, a menina deitou com a janela aberta. Foi por aí que o sono fugiu essa noite. Foi por ela também que a coruja, outra insone por natureza, percebeu a menina de olhos abertos que escondia segredos no travesseiro. Resolveu pousar num galho da mangueira de onde pudesse enxergar melhor os quase sonhos da menina. E fez-se uma sombra sob a cama, uma sombra nova que tirava tudo do lugar. A menina, curiosa, dessa vez não olhou para a sombra. Quis saber de onde vinha. Levantou-se e foi até a janela de onde vinha aquele turvo desenho.
A coruja estava que olhava e não olhava pra menina. Como se tivesse tímida, virava a cabeça ao contrário, escondendo seu interesse pela luz fraca que vinha daquela janela. Até que uma hora não deu e as duas encararam-se pela primeira vez. De um lado, a menina encantava-se com penas e unhas. Do outro, a coruja parecia acuada pelos bichos de pelúcia. Tinha gato, cachorro, pato, jacaré. Tinha urso, sapo, baleia, tatu. E não tinha coruja nenhuma naquele quarto.
Vai saber. Por via das dúvidas, ela tratou de correr. Vai que a menina cisma em me fazer bibelô. Me prende naquela estante e eu nunca mais vôo?
Naquela madrugada a menina dobrou com cuidado cada dúvida imaginada e guardou um segredo de se pensar. Como pode a coruja voar? Com que asas ela arrebenta o céu e some no escuro do longe? Com que olhos ela desesbarra das árvores e ressurge no alto? Com que medos a coruja brinca?
Medo de menina, medo de menina. Longe dali, a coruja assustada repetia, cansada, o bater de suas asas no meio da madrugada.
O quarto era outro naquela hora. A estante de bonecas e brinquedos e todas as bonecas e brinquedos da estante aproveitavam pra dançar com as sombras. O chão ficava mais alto, a cama virava uma ilha e a menina navegava fantasias enquanto o sono não vinha. Naquela hora tudo existia e ela, sozinha, era maior que o mundo. A menina era outra menina quando a madrugada vinha.
Medo do escuro ela tinha. Achava que todo mundo tinha medo do escuro. No escuro o que se vê pode não ser e o que não se vê pode existir. Mas não era um medo daqueles que deixa a gente tonto e estátua. Era medo desvendável, medo que dava pra disfarçar, medo instigante. Ela gostava de sentir que as coisas poderiam ser diferentes de vez em quando. O escuro mudava as coisas de lugar. E ela tinha que conhecer tudo de novo.
Não contava esse segredo pra ninguém. O que acontecia de madrugada somente a ela pertencia. Era secreto e valioso demais para ser compartilhado. Guardava suas histórias debaixo do travesseiro para que ninguém pudesse achá-las quando fosse dia. E toda vez que anoitecia mais histórias entravam no esconderijo das fronhas.
Um dia de calor bem quente, a menina deitou com a janela aberta. Foi por aí que o sono fugiu essa noite. Foi por ela também que a coruja, outra insone por natureza, percebeu a menina de olhos abertos que escondia segredos no travesseiro. Resolveu pousar num galho da mangueira de onde pudesse enxergar melhor os quase sonhos da menina. E fez-se uma sombra sob a cama, uma sombra nova que tirava tudo do lugar. A menina, curiosa, dessa vez não olhou para a sombra. Quis saber de onde vinha. Levantou-se e foi até a janela de onde vinha aquele turvo desenho.
A coruja estava que olhava e não olhava pra menina. Como se tivesse tímida, virava a cabeça ao contrário, escondendo seu interesse pela luz fraca que vinha daquela janela. Até que uma hora não deu e as duas encararam-se pela primeira vez. De um lado, a menina encantava-se com penas e unhas. Do outro, a coruja parecia acuada pelos bichos de pelúcia. Tinha gato, cachorro, pato, jacaré. Tinha urso, sapo, baleia, tatu. E não tinha coruja nenhuma naquele quarto.
Vai saber. Por via das dúvidas, ela tratou de correr. Vai que a menina cisma em me fazer bibelô. Me prende naquela estante e eu nunca mais vôo?
Naquela madrugada a menina dobrou com cuidado cada dúvida imaginada e guardou um segredo de se pensar. Como pode a coruja voar? Com que asas ela arrebenta o céu e some no escuro do longe? Com que olhos ela desesbarra das árvores e ressurge no alto? Com que medos a coruja brinca?
Medo de menina, medo de menina. Longe dali, a coruja assustada repetia, cansada, o bater de suas asas no meio da madrugada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário