aquela moça
aquela ali, elegante
de pernas grandes
e bem vestida
aquela lá
de carro bom
chegou aqui
na minha casa
e sem bater
foi entrando
e sem saber
da minha luta
foi falando
e disse que meu rack era velho
que faltava comida na minha geladeira
que tinha pó nos móveis
e que eu era grossa
ela, que chegou chegando
que entrou entrando
me chamou de grossa
e depois foi embora
sou preta pobre
cria da miséria
e da sobrevivência
do dia a dia
a violência
eu conheço bem
de mãe, de pai
de quem um dia eu chamei de paz
e que depois
me apunhalou
e me largou
nessa fogueira
e essa moça
estudada e alta
agora diz
que meu castigo
deve perdurar
quer me tirar
a única coisa
que eu construí
meu amor de mãe
minha criação
quer fazer papel
pra depositar
as minhas filhas
na fila de adoção
outro dia ela voltou
e eu não abri a porta
disse que não tinha chave
e falei dali
de perto das couves
de junto dos tatus bolas
debruçada no tanque
na serventia da rua
que é lugar que lhe cabe
não abro mais
nem a casa nem a boca
que não sou mulher trouxa
de deixar diabo entrar
no sossego da gente