26 fevereiro, 2009

O que seu amor come? Seu amor tem alimento para a vida toda? O seu amor te come Ou seu amor consome? Saboreia pedaços de suas asas com torradas no café da manhã? Enfia-lhe a faca Ou devora-te aos dentes? Ou será que é complacente e come-te pelas beiradas? O seu amor transborda Ou suga? Chupa-te de canudinho até fazer barulho de acabou Ou é devagarinho que ele te engole? O seu amor se alimenta de que?

Seu amor dá fome?

06 fevereiro, 2009

sem happy end

feriu o dedo com a faca. estava apressada. deixou o iogurte pela metade e chamou o elevador. na rua, ziguezagueava por entre os carros. apressava os passos mais que as sandálias de salto permitiam. no 578 passou batom, aproveitando o reflexo na janela. reparou que o adolescente que sentava ao seu lado ouvia música e mexia os dedos. deu sinal atropelando sacolas. correu até a bilheteria aberta. tateando no escuro, acomodou-se na ponta da penúltima fileira. não viu quem queria ver. assistiu ao filme sozinha e sem pipoca.

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chegou era dia quase terminando. olhou cartazes coloridos, amassou papel nas mãos, deu sede. tomou um chope na lanchonete em frente. calor. atravessou a rua ao ajeitar os cabelos num gesto automático. comprou duas entradas. cruzou as pernas, usou o cinzeiro. viu seu tênis desamarrado. a porta abriu, a fila andou. roeu as unhas, franziu a testa. sentou-se sozinho no primeiro lugar vazio que encontrou. chupou dropes e não prestou atenção nas legendas. o filme não era happy end e Celeste teria gostado, pensava ele. saiu apressado, preocupado com o cão preso no apartamento.

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era uma mulher de frases curtas e pernas bonitas. usava saia quando tinha vergonha da canela fina. respondia pouco quando lhe perguntavam. falava sozinha. andava de meias dentro de casa.

morava no 602. as janelas davam para outras janelas. varais se tocavam se ventasse forte. na sala, jarro d’água com flores dentro. parede lilás no corredor. na torradeira enguiçada era onde secava pano de prato. o quarto arrumado e sem graça valia pelo conforto do colchão.

do outro lado da rua, Salomão passeava toda manhã. pisava gramas, cheirava maresias. Celeste olhava aquela cena sentada no balcão da padaria. café com croissant. soprava a xícara tentando esfriar. Celeste quase não ria. Salomão subia a rua de volta pra casa.

Celeste que pouco saía, tinha um encontro naquele domingo. um encontro que por sorte seria agradável. Celeste, distraída e tímida, tropeçava frases quando se sentia atraída. usou sabonete esfoliante no banho, tirou cutícula, passou esmalte, escolheu o vestido azul de alça trançada. ficou bonita, perdeu a hora.

ainda não tinha tomado o lanche. ainda não tinha soltado os cabelos. ainda não tinha preparado o sorriso. estava nervosa mas fingia que não. pensou em não ir e desistiu. abriu geladeira, pegou qualquer coisa, verificou janelas, trempes,portas, pegou as chaves, estragou a unha fresca, saiu.

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esperou os créditos sentada, levantou-se quando luzes acesas, arrumando a roupa. cabisbaixa no pé da escada, desolada pelo desencontro, picotada de expectativa. de volta ao ap, janela. terminou a noite observando Salomão cagar na grama. ouvia blues.
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(antigo "cinema", revisado)

03 fevereiro, 2009

posso achar elefantes dentro da minha colcha de retalhos. posso achar o mundo vasto vez ou outra. noutras horas o mundo é uma pessoa. posso duvidar da possibilidade do amor incondicional e das paixões pós 68. posso engravidar na próxima trepada. posso optar por um emprego engomadinho e desoptar da criatividade. posso estudar livros e livros de astrologia e morar no céu de são paulo. posso fechar os olhos ao mergulhar no mar. e posso abri-los em queda livre. posso desligar o ventilador quando quiser o calor. posso permanecer na cadeira do mundo virtual sem sol. posso ser bonita e acessível. inteligente e só. posso atrever cabelo colorido em dias de chuva. posso a vaidade a vadiagem a nostalgia. posso desistir da poesia e partir pra necrópsia. posso roer o osso da costela do porco enquanto alguns se alimentam de luz. posso como se fosse livre. posso como se fosse escolha. no fundo a gente encolhe. deseja os desejos perecíveis. deleta o impossível pra seguir seguindo. sendo assim eu minto. queria poder despossuir do permitido e reinventar a roda.
e era um elefante cor de rosa que cuspia fogo.
(inacabado)